Escravidão e liberdade nos anúncios de jornal
A atual Rua XV de Novembro já foi Rua das Flores e Rua da Imperatriz . Ali, no século XIX, ficava o jornal O Dezenove de Dezembro. Fundado em 1854, logo após a emancipação da Província do Paraná, o jornal divulgava as medidas do governo provincial, mas também publicava notícias e anúncios variados. Dentre os anúncios, os de venda e fuga de pessoas escravizadas podem evidenciar vários aspectos relacionados à escravidão.
Fontes Históricas
I – Anúncio de venda de escravizados
O Dezenove de Dezembro. 1º de abril de 1854. Este anúncio, publicado no primeiro número do jornal, além de demonstrar que as pessoas escravizadas eram compradas e vendidas, evidencia que a prática da escravidão ilegal, realizada no Brasil escravista, ocorreu também no Paraná. Esse rapaz que estava sendo vendido era africano – o que designa o termo “de nação”. Pela idade declarada, pode-se saber que ele nasceu por volta de 1830. Como a lei que proibiu que africanos fossem introduzidos no Brasil como escravos vigorou a partir de 1831, para ter sido trazido legalmente como escravo no país ele deveria ter chegado com idade máxima de 1 ano. Como isso é pouquíssimo provável, esse trabalhador de engenhos de mate foi certamente um africano ilegalmente escravizado, como outros centenas de milhares de africanos criminosamente escravizados com a conivência do Estado Imperial brasileiro.
II – Anúncios de Fuga
Os anúncios de fuga eram muito detalhados, pois visavam fazer com que a pessoa procurada fosse reconhecida. Eles dizem sobre as experiências de escravos: os castigos – evidenciados pelas marcas – bem como aptidões, ofícios e estratégias para se livrarem de um domínio ao qual se contrapunham.
O Dezenove de Dezembro. 5 de fevereiro de 1881.
O Dezenove de Dezembro, 23 de setembro de 1854.
O Dezenove de Dezembro. 17 de dezembro de 1879.
III – Ex-escravizados: sujeitos nos anúncios
Barnabé foi um trabalhador escravizado, e depois liberto, que viveu em Curitiba na segunda metade do século XIX e primeira do XX. Exercia o ofício de sapateiro. Seu senhor, um padre em São José dos Pinhais (João Batista Ferreira Bello), de quem Barnabé adotava o sobrenome, explorava indiretamente seu serviço, recebendo dele uma determinada quantia em dinheiro, que o sapateiro obtinha exercendo sua profissão. Barnabé tinha uma boa freguesia e vivia com muita autonomia em Curitiba. Por volta de 1880, o escravizado passou a recusar a entrega do dinheiro ao padre e este tentou vendê-lo para um fazendeiro produtor de café em Campinas, onde as condições de trabalho eram bem diferentes – e piores – do que as que o sapateiro experimentava em Curitiba. O escravizado resistiu a essa venda. Chegou a entrar com um processo judicial. Em 1885, quando já estava liberto, certamente em razão dos conflitos com seu ex-senhor, decidiu mudar de nome e fez esse anúncio no jornal:
O Dezenove de Dezembro, 18 de março de 1885, p. 3. O processo judicial movido por Barnabé contra seu senhor encontra-se no Arquivo Público do Paraná. Ação de Liberdade, Barnabé Ferreira Belo, 1880. BR PRAPPR PB045 PI7718.294.
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Sobre os anúncios envolvendo pessoas escravizadas:
FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Recife: Imprensa Universitária, 1963.
CÂMARA. Juliana de Cássia. Escravos em fuga: histórias de escravidão e liberdade no Paraná provincial (1854-1888). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação História). Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 2013. http://www.humanas.ufpr.br/portal/historia/files/2013/12/TCC-JULIANA-CAMARA-FINAL.pdf (16/01/2020).
Sobre a trajetória de Barnabé Francisco Vaz:
MENDONÇA, Joseli M. N. Negros em Curitiba: experiências na escravidão. In: BARACHO, Maria Luiza.(org.) Presença Negra em Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 2020. Disponível em http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/pub/file/pp_livro_presencanegra_web%20%281%29.pdf
SILVA, Noemi S. Entre letras e lutas: educação e associativismo no Paraná. In: MENDONÇA, Joseli M N., TEIXEIRA, Luana, MAMIGONIAN, Beatriz G. Pós-Abolição no Sul do Brasil – associativismo e trajetórias negras. Salvador: E. Sagga, 2020. Disponível em https://bgmamigo.paginas.ufsc.br/files/2020/06/MENDON%C3%87A-TEIXEIRA-MAMIGONIAN-orgs-2020-P%C3%B3s-Aboli%C3%A7%C3%A3o-no-Sul-do-Brasil.pdf (07/09/2023).
Como fazer a referência deste conteúdo: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. PROJETO DE EXTENSÃO AFROCURITIBA. https://afrocuritiba.ufpr.br/mapa/ . Acesso em [data do acesso].