Praça Zacarias. Fotografia de J. M. Guimarães. 25/ 12/2009. Disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pra%C3%A7a_Zacarias_em_Curitiba.JPG (15/08/2023).
No Chafariz, trabalho e sociabilidades
Na década de 1870, esse local era conhecido como Largo Zacarias, mas também como Largo do Mercado ou Largo da Ponte. Ali, em 1871, foi instalado o chafariz que observamos na praça atualmente.
Em 1882, a Gazeta Paranaense publicou uma matéria de opinião referindo-se a presença negra nesse espaço. A seguir, um fragmento dela:
Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/242896/5 (05/01/2023).
Essa matéria evidencia dois aspectos importantes na incursão que estamos fazendo pelo espaço urbano da Curitiba do século XIX. Um deles é a demonstração da presença de trabalhadores na praça (denominados na matéria “soldados”, ou seja, que recebiam soldo, remuneração). Entre esses, a matéria menciona trabalhadores negros, que poderiam ser escravizados, libertos ou livres e que conviviam com colonos naquele espaço urbano. Esses trabalhadores exerciam um dos muitos ofícios que as pessoas negras realizavam nas cidades no século XIX: coletavam água no charafiz e a transportavam até os locais de moradia ou trabalho dos moradores, uma vez que não havia um sistema de canalização para realizar o abastecimento urbano. Essa era uma atividade muito importante para o funcionamento da cidade. O chafariz era, portanto, um local de trabalho para pessoas negras que trabalhavam na cidade. Mas era também um local de encontro, espaço para conversar, informar-se sobre o que ocorria na cidade, para se divertir.
Outro aspecto que podemos distinguir na leitura da matéria diz respeito às dificuldades vivenciadas por esses trabalhadores. Como é possível observar, eles eram vistos de forma muito negativa, considerados sujeitos perigosos, suspeitos que deveriam ser alvos preferenciais da ação policial. Enfrentavam, portanto, no seu dia-a-dia preconceito e discriminação.
O Chafariz e o Engenheiro Negro
O chafariz exposto na Praça Zacarias evidencia também a importância de profissionais que trabalharam na construção da cidade realizando obras de grande complexidade. O artefato, que atualmente está na praça como elemento decorativo, no século XIX fez parte de um projeto de canalização da água realizado pelo engenheiro negro – Antônio Pereira Rebouças Filho.
Antonio Pereira Rebouças Filho. Foto sem indicação de autoria e data. http://ilustresdabahia.blogspot.com/2014/06/antonio-pereira-reboucas-filho.html (10/03/2019)
Nascido na Bahia, Antônio Rebouças estudou na Escola Militar no Rio de Janeiro, mas teve grande parte sua vida profissional constituída no Paraná, onde chegou em 1864, para coordenar trabalhos na Estrada da Graciosa. Na província ele construiu várias pontes, realizou obras portuárias e trabalhou nos projetos iniciais da ferrovia Curitiba-Paranaguá, de cuja construção não chegou a participar, por ter morrido muito precocemente, em 1874.
O chafariz da Praça Zacarias, assim, nos diz sobre negros que, de maneiras diversas participaram da construção e do funcionamento da cidade.
Memórias
I– Imagem antiga mostra uma das maneiras usadas para levar água até as residências e estabelecimentos comerciais, no início do século XX.
Chafariz do Largo Zacarias, no início do século XX. Imagem publicada em DESTEFANI, Cid. Nostalgia. Serviço Público na Zacarias. Gazeta do Povo publicada pela 09/08/2008. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/colunistas/nostalgia/servico-publico-na-zacarias-b4bhq44o9aa67wogm52699xla/ (Acesso 31/10/2019)
II – As andanças do chafariz. Em depoimento à Gazeta do Povo em julho de 2017, Júnio Ferreira, então coordenador da área de patrimônio da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), contou que o chafariz esteve na praça até 1939, quando foi retirado e guardado no Museu Paranaense. Em 1968 voltou à praça, mas com função estética apenas.
Foto Arquivo SANEPAR, s.d. (Provavelmente anos 1960), publicada pela por Sharon Abdalla. Chafariz da Praça Zacarias guarda memórias de uma Curitiba “sem água”. Gazeta do Povo, 10 de julho de 2017, disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/haus/urbanismo/chafariz-da-praca-zacarias-guarda-memorias-de-uma-curitiba/ (09/03/2018)
Quer saber mais? Você pode acessar as fontes que consultamos para elaborar esse conteúdo e outras mais que listamos a seguir.
PENA, Eduardo Spiller. O jogo da face: astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. (esse livro traz várias experiências de trabalho de africanos e descendentes que, como escravizados, libertos ou livres, trabalharam e viveram na Curitiba do século XIX).
GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros – cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. (trata da vida pública de Antônio Rebouças, pai do engenheiro a que o texto se refere).
TRINDADE, Alexandro. André Rebouças: Um Engenheiro do Império. Alexandro Dantas Trindade. São Paulo: Editora Hucitec, 2011. (esse livro aborda aspectos relativos ao irmão de Antonio Rebouças. Ambos, André e Antonio Rebouças trabalhavam de forma muito próxima).
Se você tiver mais informações, materiais ou referências sobre esse local e quiser colaborar, envie pra afrocuritibapercurso@gmail.com .
Como fazer a referência deste conteúdo: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. PROJETO DE EXTENSÃO AFROCURITIBA. https://afrocuritiba.ufpr.br/mapa/ . Acesso em [data do acesso].